PROBLEMAS

Os problemas de linguística são um gênero textual específico, que envolvem um conjunto de informações sobre alguma língua ou código e o desafio de entender fenômenos linguísticos ou semióticos a partir delas.

Os problemas são autossuficientes: para resolvê-los, você não precisa falar nenhuma língua além do português nem dominar teorias sofisticadas de gramática ou de linguística. Basta usar seu conhecimento geral de mundo, sua intuição como falante de alguma língua humana e uma boa dose de raciocínio e investigação.

Assim, investigando as línguas, você desenvolve sua habilidade de lidar com situações desconhecidas, bem como conhece e desenvolve suas próprias ferramentas e competências para enfrentar um mundo que é, sobretudo, algo além do que podemos imaginar que ele seja.

Quer ver como funciona? Seguem alguns exemplos:

Problema 1. Países em Georgiano

Seguem os nomes de alguns países da América do Sul em georgiano:

Os nomes em português dos dois países sem tradução são, respectivamente:
a. Paraguai e Guiana
b. Bolívia e Venezuela
c. Equador e Chile
d. Argentina e Colômbia

SOLUÇÃO

Resposta: D

Esta é uma questão clássica de olimpíada de linguística, em que se deve decifrar um código que não se conhecia propriamente. No caso, o código em questão é a escrita georgiana.

As transcrições de “Peru” e “Uruguai” possuem a mesma quantidade de letras de suas traduções, com isso se pode fazer a relação letra-letra entre cada alfabeto. Já o nome “Brasil” possui mais letras em georgiano, mas, graças aos outros dois nomes, seria possível ver que se trata de:

_ R A _ I _ I A

A R G E _ _ I _ A

_ _ L U _ B I A

que só poderiam ser “Argentina” e “Colômbia (Columbia)”.

Problema 2. Apteka

A imagem mostra uma placa na fachada de uma farmácia na Breslávia, Polônia.

Qual das opções mostra como é "rua" em polonês?
a. katu
b. strada
c. ulica
d. carrer
e. silesia

SOLUÇÃO

Resposta: C

Essa questão busca mostrar que, mesmo não sabendo nada sobre a língua, a leitura de um mero cartaz já nos permite apreender algumas informações. O vidro da farmácia continha, junto ao logo, o seu nome, apteka Silesia. Apteka, escrito em minúsculo e com fonte menor, provavelmente é a palavra polonesa para “farmácia”. Logo abaixo, os horários de funcionamento (provavelmente “segunda - sexta” e “sábado”).

À esquerda, três endereços, logo abaixo de um título com a palavra lokalizacje, que possivelmente significa “localização” (afinal, trata-se de uma palavra culta, de empréstimo mais recente do latim. Em português, compare com “lugar”, por exemplo). Os três começavam com abreviações; um era pl. e os outros dois, ul. Essa abreviação só poderia ser a palavra “rua” (se fosse em português, seria r.); a outra pode ser avenida, praça, etc. Entre as alternativas, a única que se encaixa em ul./pl. é ulica.

Problema 3. Gramaticalização

As palavras costumam adquirir novas funções ao longo do tempo e conforme o uso. Muitas vezes, palavras que normalmente expressam um significado pleno assumem um sentido estendido ou outras funções na oração. Esse processo, chamado por alguns autores de gramaticalização, é extremamente ativo nas línguas.

Em quais das citações abaixo o verbo “chegar” desempenha um papel mais próximo de seu sentido e função originais?

1. A pergunta que cabe e na verdade chega atrasada ao jornalista brasileiro é se existem ou não condições para promover um debate honesto. (O Globo, 25/09/2016)

2. Chega de quebrar a cara com você / Já sei que continuar te amando não dá mais (Zezé di Camargo e Luciano, 2008)

3. Chega! “Que mundo é esse?”, eu me pergunto / Chega! Quero sorrir, mudar de assunto (Gabriel O Pensador, 2015)

4. Dá mais um passo, chega mais perto. (OPA, 2006)

5. Quando chega o meu cartão de confirmação de inscrição no Enem?

6. Quem nasceu para vintém, não chega a quinhentos réis.

a. 2 e 3
b. 4 e 6
c. 4 e 5
d. 1 e 5

SOLUÇÃO

Resposta: D

A estrutura que tradicionalmente acompanha o verbo “chegar”, quando tem sentido de fim de um movimento (concreto ou abstrato), é:

(sujeito) chega -- | (lugar)

Esse é o caso das alternativas 1 (a pergunta chega ao jornalista) e 5 (o meu cartão chega [na minha casa]).

Na opção 4, ele tem um sentido de deslocamento geral e não de chegada (e deixa de exigir complemento preposicionado de lugar), enquanto nas opções 2 e 3 o verbo já nem traz a noção de deslocamento, sendo sinônimo de “basta”.

Problema 4. Sentenças em Tadjique

Veja mais um exemplo de gramática em uma língua estranha:

Seguem três sentenças tadjiques seguidas de suas traduções:

дӯсти хуби ҳамсояи шумо um bom amigo do seu vizinho

ҳамсояи дӯсти хуби шумо um vizinho do seu bom amigo

ҳамсояи хуби дӯсти шумо um bom vizinho do seu amigo

Dê a tradução de cada palavra tadjique usada nos exemplos.

SOLUÇÃO

Aqui temos sentenças com seis palavras em português correspondendo a quatro em tadjique. O que podemos cortar? Talvez a suposição mais simples seja que o artigo “um” e a preposição “do” não sejam palavras separadas em tadjique; vamos analisar até o fim partindo dessa hipótese; se estivermos errados, voltamos para o início e tentamos outra suposição.

A dificuldade aqui vem do fato de que não sabemos:

1. Se o adjetivo vem antes ou depois do nome em tadjique (“bom amigo” ou “amigo bom”?)
2. Se o possessivo vem antes ou depois do nome em tadjique (“seu vizinho” ou “vizinho seu”? “vizinho do amigo” ou “amigo’s vizinho”?)

Então temos que observar melhor. Na primeira e na segunda frases, as palavras “дӯсти хуби” aparecem juntas, então talvez elas sejam “bom amigo”. Além disso, a última palavra é sempre “шумо”, o que significa que ela só pode corresponder a “seu”, porque “seu” se refere sempre ao último nome da frase: vizinho seu, amigo seu, amigo seu. Sobra a palavra “ҳамсояи”, que só pode ser “vizinho”. Assim, na terceira frase “ҳамсояи хуби” só pode ser “vizinho bom”, e com isso, “дӯсти” é amigo. Tanto o adjetivo quanto o possessivo vêm depois do nome. Com isso, as palavras são:

дӯсти amigo
хуби bom
ҳамсояи vizinho
шумо seu

Problema 5. Significados Dothraki

A língua dothraki é falada por grupos nômades das estepes, cuja cultura gira em torno dos cavalos. A língua e o povo dothraki são ficcionais, tendo sido criados para uma famosa série de livros que deu origem a uma ainda mais famosa série de TV. Veja abaixo algumas palavras dothraki, com suas traduções fora de ordem para o português.

ajjalan, chafka, jalanqoyi, qoy qoyi, shekh, shekhqoyi, vorsaska, vorsqoyi, zhavorsa
dragão, eclipse solar, eclipse lunar, essa noite, outono, pira funerária, sangue do meu sangue, sol, verão

Como se diz, em dothraki, sangue, fogo, lagarto, vento e lua, respectivamente?

a. chaf, jalan, qoy, vorsa, zhav
b. qoy, zhav, jalan, chaf, vorsa
c. zhav, qoy, chaf, vorsa, jalan
d. jalan, chaf, vorsa, qoy, zhav
e. qoy, vorsa, zhav, chaf, jalan

SOLUÇÃO

Resposta: E

Esse é um problema de semântica: precisamos entender as relações entre os significados das palavras dadas para sabermos quais são as correspondentes na língua dothraki. Do lado dothraki, a raiz que mais aparece é qoy, que aparece quatro vezes. Cada uma delas aparece relacionada a outras palavras do problema:

Do lado do português, precisamos encontrar as raízes sangue, fogo, lagarto, vento e lua. Assim, podemos relacionar as palavras em português da seguinte forma:

Entre os exemplos, o mais natural seria pensar que qoy qoyi corresponde a “sangue do meu sangue”. Mas o que seriam as outras três ocorrências dessa raiz? Podemos pensar que sangue está relacionado à morte e, portanto, à pira funerária. Além disso, sangue pode fazer alusão à cor vermelha, mas também a morte e assombro. Assim, eclipse lunar, literalmente, significa “lua de sangue” (afinal, a lua fica avermelhada) e, da mesma forma, eclipse solar é “sol de sangue”. Entendendo essa parte, as outras associações ficam fáceis: shekh é sol, jalan é lua, vorsa é fogo, zhav é lagarto, chaf é vento.

Problema 6. Reportagem em Tétum

Seguem abaixo duas reportagens em tétum retiradas do jornal timorense Suara Timor Lorosae (STL):

DILI Estudante primeiru too segundu ano husi eskola sekundaria katolika Nobel da Paz hahu halao ezame terseiru periodu, no prezensa estudante sira maximu, tanba kumpri kalendariu nasional.
Tuir Prezidente fundador hanesan mos Direitor eskola sekundaria katolika, Nobel da Paz, Pedro Nunes Menezes hatete, Prosesu ezame terseiru periodu ohin halao hanesan ezame pasajen, iha loron primeiru, ezame nee lao ho normal, tanba sira tuir programa no planu politika Ministeriu Edukasaun neebe trasa ona.
“Ami tuir programa no planu politika Ministeriu Edukasaun, neebe ohin dia 21 hahu, mesmu ami nia eskola privadu ou katolika, maibe ami mos tuir Ida nee, ohin mak foin hahu ezame,” hatete Pedro ba STL iha nia knar fatin Kintal Boot, Dili, Segunda (21/11/2016).
Nia dehan, ezame nee loron Ida materia rua, ba loron dahuluk matematika no portugues, total estudante neebe mak tuir ezame terseiru periodu, ba estudante sekundariu 1.021, iha ensinu baziku 463.
Iha fatin hanesan estudante 2 ano, Samuel de Deus, sente kontente, maske sira nian kondisaun eskola ladun diak, maibe ba sira diak tanba antes sira atu tuir ezame, professor sira mos fo ona breafing ba sira. Informasaun kompletu iha STL Jornal no STL Web, edisaun Tersa (22/11/2016). Jacinta Sequeira/Guilhermina Franco

Com base nisso, responda às perguntas:

a. O assunto geral da primeira notícia é

( ) A entrega do Prêmio Nobel da Paz
( ) As eleições presidenciais no Timor Leste
( ) A aplicação de um exame nacional de desempenho escolar
( ) O catolicismo nas escolas timorenses

b. Quem é o diretor de escola citado no texto?

c. Qual o nome, em tetum, do dia depois de amanhã, em relação ao dia em que saiu a notícia?

SOLUÇÃO

Esse problema foi adaptado a partir da ed. Ñanduti (prob. 4 da fase 2). Problemas em um estilo similar apareceram em outras edições: papiamento (ed. Paraplü), mirandês (ed. Vina), caboverdiano (ed. Margele). Em comum, eles têm a intenção de ser provocativos à intuição linguística dos estudantes, mostrando que é possível estabelecer comunicação satisfatória mesmo tendo apenas um domínio parcial da língua em questão.

A pergunta A envolvia apenas a interpretação global do texto. Claramente, o texto trata da aplicação de um exame nacional de desempenho escolar. O homem da pergunta B é Pedro Nunes Menezes, introduzido como “Direitor eskola sekundaria katolika, Nobel da Paz”.

Pelos créditos ao final, vemos que a reportagem foi escrita numa “Tersa”. Observando a ortografia do tétum para palavras como “katolika”, “eskola”, “kumpri” e “kalendariu”, fica evidente que o dia depois de amanhã em relação a “Tersa” é “Kinta”.

Problema 7. Numerais Inuktitut

Os problemas de linguística também podem se basear em estruturas que não são exatamente parte da língua, mas passam por ela. Um caso clássico são as estruturas matemáticas. Assim, imagine que você esteja viajando pelo norte do Canadá e se depara com alguns inuit que não sabem nada de inglês, nem da escrita latina, nem dos algarismos indo-arábicos. Para começar uma comunicação, um estudante lhe oferece uma lista de operações matemáticas, mostrada abaixo, na primeira coluna. A tabela usa os mesmos símbolos que nós para as operações.

Vendo que você pareceu entender a tabela, ele então lhe desafia a escrever as respostas de outra série de operações, mostrada na segunda coluna. Dê as respostas em algaritmos Inuktitut.

SOLUÇÃO

O sistema de numeração Inuktitut é posicional como o nosso, mas de base 20 em vez de 10. Isso significa que:

(a) O sistema inuktitut tem algarismos diferentes para os valores de 1 a 19 (como o nosso, de base 10, tem para os valores de 1 a 9)

(b) Para valores maiores que 20, o sistema representa um novo número à esquerda, da forma XY = X*20 + Y (da mesma maneira que, por exemplo, 78 = 7*10 + 8)

Além disso, o sistema tem uma sub-base 5. Isto é, os algarismos de 1 a 19 são agrupados de 5 em 5. Neste caso, cada traço vertical corresponde a uma unidade, enquanto cada traço vertical corresponde a 5 unidades. Assim, os algarismos são:

Quanto ao ponto (b), ele poderia ter sido compreendido pelas operações fornecidas. Da primeira, aprendemos que dois traços verticais são apenas justapostos. Da segunda, é imediato ver que um horizontal corresponde a 5 verticais. As operações 3, 4 e 5 confirmam isso, mostrando que podemos também justapor os traços horizontais, e que podemos multiplicar: três vezes um traço horizontal são três traços horizontais.

A operação 6 é menos imediata: ela diz que (5+4) • (5+2) = 9 • 7 = 63 é representado como 3 3 (a repetição do algarismo com um espaço entre eles sugere fortemente que se trata de numeração posicional). Assim descobrimos que os algarismos da segunda casa contam de 20 em 20. A operação 7 introduzia o zero.

PROVAS ANTERIORES

Edições Fase 1* Fase 2* Fase 3*
Khipu
(2022-23)
Regular: Prova | Gabarito
Mirim: Prova | Gabarito
Regular: Prova | Gabarito
quechua, toki pona, tailandês, quechua,
crioulo de Guiné-Bissau

Mirim: Prova | Gabarito
walmano, nyiakeng puachue, tailandês
Prova kalabari, igala, oko, bekwarra
Mascate
(2021-22)
Regular: Prova | Gabarito
Mirim: Prova | Gabarito
Regular: Prova | Gabarito
jibbali, tibetano, hanunó’o,
ugarítico, cazaque, barupu

Mirim: Prova | Gabarito
havaiano, jibbali, mundari, suzhou
Prova | Gabarito
kĩsêdjê, arara, kawaiwete,
trumai e yudjá
Kubata
(2020-21)
Prova A | Gabarito A | Prova B | Gabarito B Prova | Gabarito
árabe e swahili, sámi do norte, bretão,
tukano, ainu, crioulo de Damão e Diu
Prova | Gabarito
rejang, amárico, bengali, islandês
Ye’pâ‑masa
(2019-20)
Prova | Gabarito Prova | Gabarito
álgebra transcendental, xokléng, mxedruli, tukano, dálmata, árvore lituana,
Yora
(2018-19)
Prova | Gabarito Prova | Gabarito
direções maltesas, romeno, iorubá,
catalão, tuyuka, javanês
Prova | Gabarito
guarani mbya, tifal, romani,
irlandês
Mărgele
(2017-18)
Prova | Gabarito Prova | Gabarito
fonética do inglês, cuneiforme persa, romeno, laz, maxakalí, crioulo cabo-verdiano
Prova | Gabarito
mẽbêngôkre, alamblak, matokki, estoniano
Ñanduti
(2016-17)
Prova | Gabarito Prova | Gabarito
adinkra, udmurte, língua de sinais britânica, tétum, africâner, mundurukú
Prova
irlandês, guarani paraguaio, árabe
Òkun
(2015-16)
  Prova | Gabarito
amárico, iorubá, tapirapé e parintintin, números maias, libras, turco
Prova | Gabarito
finlandês, iorubá, línguas eslavas, brami
Vina
(2013-14)
  Prova | Gabarito
hunsrick, locos, verbos, futoshiki fonético, georgiano, mirandês
Prova | Gabarito
lontara, javanês, polonês
Paraplü
(2012-13)
  Prova | Gabarito
colorADD, antônimos, fonética, papiamento, tupi e guarani, islandês
Prova | Gabarito
escrita moon, láadan, tonganês, finlandês, manx, turco e italiano
Noke Vana
(2012)
  Prova | Gabarito
esperanto, carioquês, escrita tengwar, verbos télicos, turco, árvore genealógica
Prova | Gabarito
escrita árabe, quechua, línguas germânicas, bugawac, toki pona
Kytã
(2011)
  Prova | Gabarito
guilagem camaco, adjetivos, declinações latinas, alfabeto cirílico, numerais inuktitut, verbos poloneses
Prova| Gabarito
linear b, fonética, inuktitut, birom, udihe

* Até a edição Ñanduti, a primeira fase era equivalente à atual segunda fase, e a segunda era equivalente à terceira, razão pela qual organizamos a tabela desta maneira.

OLIMPÍADAS DE OUTROS PAÍSES

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